A RALÉ DA MODA


Cresci a ouvir dizer que "à rasca" era expressão feia. Pelos vistos, deixou de ser, e agora poucas são as bocas que a omitem. Mas afinal o que significa a palavra "rasca"? Segundo o Dicionário de Língua Portuguesa, pode ser um substantivo feminino, pode ser um adjectivo do segundo género e até pode ser empregue em sentido figurado. Analisemos.

A explicação do substantivo é no mínimo curiosa. 
- "Embarcação descoberta com dois mastros e velas latinas".
Será aquela embarcação que coloca os "rascas" perdidos em alto mar, sem rumo, longe de qualquer "terra à vista"? Será a navegação à vela que os atrasa no caminho do sucesso? Será esta embarcação desnorteada que desorienta esta geração aflita?

- "Rede de arrastar".
Será o arrastão, hoje conhecido por manifestação, que mobiliza e arrasta "rascas" por esse país fora, cujo objectivo é simplesmente o prazer de protestar, de causar desacatos? Será por causa dela que os "rascas" estão em rede, ao ponto de se contagiarem uns aos outros? Será que as malhas desta rede só apanham aqueles que são "rascas"? 

Em sentido figurado temos "quinhão", "lucro", "bebedeira", "sinal", "indício".
Aos "rascas" está destinado o pior quinhão da sociedade, sem indício de lucro e cujo sinal de bebedeira, é evidente. 

Nunca estes sinónimos fizeram tanto sentido! Mesmo sem lucro os "rascas" enchem as noites do país, consomem litradas de álcool, deslocam-se e esgotam parques de estacionamento nas escolas e universidades com as suas viaturas de qualidade, comunicam-se através das tecnologias mais avançadas, estão sempre ligados e em rede e consomem marcas burguesas como se de pão se tratasse. Afinal, estamos a falar de que "rascas"? 

Quanto ao adjectivo em segundo género: "ordinário", "reles", "de má qualidade", "de mau gosto".
Não generalizo, mas que há muitos "rascas" destes, não tenho dúvidas!
Se há jovens que simplesmente não tiveram sorte nas escolhas universitárias que fizeram, que são penalizados pelas más políticas dos sucessivos governos, mas que vão a todas, respondem a anúncios, dão o seu melhor nas entrevistas, abdicam da sua formação a favor de trabalhos inferiores, que aceitam ordenados de principiante e valorizam a experiência profissional, outros há que fizeram do desemprego a sua principal ocupação. E gostam de ser "rascas"!

Parece que ser "rasca" é o que está a dar. São falados constantemente, têm protagonismo nos média, têm carimbo de vítimas,  são muito defendidos por quem perde parte do seu precioso tempo a catalogá-los, e agora até os seus pais são culpabilizados pela educação incutida. 

E "à rasca", o que significa? "em dificuldades", "enrascado", "atrapalhado", "teso", "sem dinheiro", "muito precisado de qualquer coisa", "doido por".  

- Será esta a geração que passou pelas maiores "dificuldades" ou é a mais "enrascada"? 
E as gerações do tempo da guerra? E os enviados para o Ultramar sem vontade? E as senhas contadas nas filas da fome? E a malta desenrascava-se conforme podia. Não havia tempo para protestos e ninguém se intitulava "rasca" pois até era desconsideração! Hoje habituaram-se ao facilitismo, ao "prete à porter" e ao imediato. Agora esses cérebros enrascam-se ao não saber lidar com as dificuldades da vida. 

- Será esta a geração que está mais "atrapalhada"?
E as seis ou sete bocas para alimentar, a média de filhos do antigamente? E os bolsos dos pais parcos em abundância? E a falta de máquinas de lavar ou robots de cozinha? Nesta época não havia tempo para atrapalhanços! A vida começava com o nascer do sol e terminava depois da lide feita.  

- Será esta a geração mais "tesa ou sem dinheiro"?
Eles até o podem ser, mas por trás há quem banque! E esse é o problema. Bancam o indispensável e o supérfluo. Mas no tempo destes que bancam hoje não havia ninguém para bancar e mesmo assim fizeram família e conseguem bancar os filhos de hoje, por muito mais tempo.

- Será esta a geração mais "precisada de qualquer coisa" ou "doida por"?
Precisam sim. Precisam de encarar a vida como ela é: difícil. A realidade agravou-se, o dinheiro é caro, as oportunidades poucas, mas eles têm a maior riqueza de todos os tempos: são jovens.  A realidade que viveram até aqui esgotou-se. Habituaram-se a ter tudo e mesmo assim nada lhes chega. Têm de ter mais porque o outro também tem. E se não têm, os outros "rascas" marginalizam-nos, pois o estatuto parece ser algo muito importante para quem não tem onde cair morto.

Mas afinal, queixam-se de quê?
A História conta a vida como sendo dura em todas as gerações. Porque seria esta diferente? O progresso não é facilitismo. O progresso é a dádiva de ferramentas para continuar a lutar por uma vida melhor.
Nunca uma geração foi tão beneficiada pelo progresso. A taxa de desemprego é alta não o nego, mas a polivalência precisa-se. 
Nunca uma geração teve à sua disposição tantos meios para se cultivar, informar. Tudo está à distancia de um clic.
Nunca uma geração foi tão instruída. Mas a realidade mostra muita teoria e pouca prática. A versatilidade não existe.
Nunca uma geração foi tão apoiada com subsídios, apoios à formação de empresas, restruturações de cursos, prémios de novas ideias e empreendorismo, equivalências, estágios, etc.

Mas a mama acabou! Esta é a realidade de agora. É a realidade do mundo.

A crise chegou e agora temos de nos adaptar. Se não há empregos, há trabalhos. Se não se pode ganhar o que se quer, ganha-se o que se pode. Se não se consegue arranjar na nossa área, vai-se para a área disponível.  Apesar de ter uma licenciatura, comecei a trabalhar como telefonista de PBX, numa pequena empresa de cabides. E para conseguir este primeiro emprego após seis meses de envio de candidaturas, omiti a licenciatura do currículo. E consegui emprego! Já em 1995 era assim! Já havia crise! E então? Sei que não é o desejável, mas o que eu queria era começar a trabalhar e ganhar experiência profissional. Anos mais tarde, e após passar por várias empresas, cheguei a uma multinacional norte americana. É assim que se contrariam as vicissitudes da vida. Encontrar soluções, pensar em alternativas, fazer cedências. Ser jovem é ser irreverente. Pois que utilizem essa irreverência para serem empreendedores, criativos, alternativos. Protestar e ficar à espera que os outros trilhem o nosso caminho, não serve.

Encarar a vida com menos consumismo e mais rigor, mais discernimento, mais equilíbrio, precisa-se.  

Por vezes há que dar um passo a trás para se darem dois à frente. Espero que aprendamos com estes erros e os filhos que nascerem, tenham outra educação e não se enclausurem em chavões de " gerações pimba", "gerações rasca", "gerações à rasca" ou "gerações Deolinda".    

CSD

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