AS CAIXAS DA CARIDADE
A arrecadação é pequena para tanta caridade. Entre caixas, caixotes, malas, sacos, encontra-se de tudo. De utilidades a futilidades, tudo vem contentor fora, numa viagem longínqua e ondulante.
Este é o resultado da caridade do povo português, que sempre solidário nas horas necessárias, não mede esforços para ajudar o seu semelhante mesmo que esse se encontre a milhas de distância. Mas esta caridade dá trabalho, muito trabalho. São necessárias muitas horas de dedicação para que quem realmente necessita, receba de forma justa esta dádiva portuguesa.
Inicia-se assim uma viagem de um mês até Moçambique.
Aqui trava-se a segunda batalha. Após as formalidades de desembarque, passa-se ao armazenamento da carga. Não dispondo estas voluntárias de qualquer espaço público ou estatal, utilizam algumas arrecadações privadas para armazenar a dádiva portuguesa.
Não presenciei nem ajudei nesta tarefa de carga e descarga. O espirito da minha caridade ainda não me tinha possuído. Mas hoje arrependo-me muito de não ter colaborado com estas almas voluntárias na árdua tarefa de armazenar todas a caixas desalfandegadas. A estas senhoras valeu-lhes as famílias, que igualmente caridosas, ajudaram nesta missão. Não sei precisar números, mas eram muitas, mesmo muitas caixas.
Depois de empilhadas passa-se à terceira fase. Começar a desvendar o conteúdo de cada uma. Aqui, a lei de Lavoisier é aplicada em toda a sua essência; "Na Natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma". Caixa por caixa, vão estas boas mulheres abrindo e separando tudo o que os outros acharam já supérfluo.
Hoje fui ajudar.
Devidamente instruída dos procedimentos, meti mãos à obra. Agarrada com firmeza, uma caixa desceu do monte de muitas. Por fora uma etiqueta: "roupa de mulher". Já completamente esventrada, comecei a retirar as ofertas para um lençol previamente estendido no chão. A roupa é usada mas quer-se limpa!
Após uma separação criteriosa e com a caixa já vazia, apeteceu-me fazer um diagnóstico; esta seguramente pertencia a alguém que já partiu e quem ficou, desfez-se destas pequenas recordações. Cada caixa pode revelar uma história, contar uma vida. Só temos de estar atentos. Mas havia muito mais a fazer. Outra caixa desceu. Desta vez sapataria. Estas ficam para o fim. Por vezes não têm utilidade.
Mais outra veio para baixo. "Roupa de criança". Os montinhos foram crescendo no lençol e, caixa a caixa, fomos separando ofertas para os outros. O que está em mau estado é colocado de parte e deixado junto ao contentor do lixo para quem, sem vergonha, quiser aproveitar.
Com o lençol já repleto de roupas passa-se a outra fase; o armazenamento em prateleiras. Aqui tudo é dividido por idades e sexos, ficando assim pronta para ser oferecida.
E quando e a quem se oferece?
Sempre que existe uma oportunidade, que aqui nesta terra, é todos os dias. Caixas sortidas são enviadas para orfanatos, escolas, missões. Pelo Natal são feitos conjuntos personalizados que se oferecem aos meninos internados nos hospitais de Maputo. E por fim, a quem pede e quem necessita. Todos os dias são dias de ofertas.
Mas nem tudo é usado. Muitas são as empresas que escoam os seus stokes já descontinuados para estas paragens. Muitas são as peças de roupa ainda com etiquetas, conjuntos de livros e material escolar por estrear, calçado de marca, artigos de puericultura, entre outras ofertas novinhas em folha. Roupa, livros, malas e carteiras, rendas, lençóis e cortinados, acessórios vários, brinquedos, são dádivas generosas que chegam do outro lado do mundo.
Podem imaginar a felicidade desta gente que necessita?
Não, não podem. É algo que só quem observa pode descrever.
Depois de uma tarde de separação bastante cansativa, conduzi até casa. Na rua e em cada ser via alguém para ser ofertado. Foi o momento em que a minha consciência percebeu de como realmente esta gente necessita. E necessita de tudo. E tudo é bem vindo.
O valor destas mulheres voluntárias é muitas vezes esquecido, ignorado e até desconhecido. Mas estas mulheres, que dedicam tardes inteiras à selecção da alegria dos outros, não podem ser menosprezadas. O trabalho voluntário que desempenham em prol de quem realmente necessita é louvável e merece ser divulgado, aplaudido, reconhecido.
Aqui fica a minha sincera homenagem. Bem hajam.
Assim se organiza a felicidade de muitos.
CSD
Arrecadação com caixas |
Mais caixas armazenadas |
Tudo começa em Portugal, com um conjunto de pessoas verdadeiramente solidárias, que ao longo do ano vão acolhendo nas suas próprias casas os bens que enchem as casas dos outros. A separação por géneros é obrigatória com vista à organização possível. Depois é o embalamento, a rotulagem de caixas e o carregamento para transporte que levará ao contentor e ao navio. |
Inicia-se assim uma viagem de um mês até Moçambique.
Aqui trava-se a segunda batalha. Após as formalidades de desembarque, passa-se ao armazenamento da carga. Não dispondo estas voluntárias de qualquer espaço público ou estatal, utilizam algumas arrecadações privadas para armazenar a dádiva portuguesa.
Não presenciei nem ajudei nesta tarefa de carga e descarga. O espirito da minha caridade ainda não me tinha possuído. Mas hoje arrependo-me muito de não ter colaborado com estas almas voluntárias na árdua tarefa de armazenar todas a caixas desalfandegadas. A estas senhoras valeu-lhes as famílias, que igualmente caridosas, ajudaram nesta missão. Não sei precisar números, mas eram muitas, mesmo muitas caixas.
Depois de empilhadas passa-se à terceira fase. Começar a desvendar o conteúdo de cada uma. Aqui, a lei de Lavoisier é aplicada em toda a sua essência; "Na Natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma". Caixa por caixa, vão estas boas mulheres abrindo e separando tudo o que os outros acharam já supérfluo.
Abertura das caixas e separação por idades |
Devidamente instruída dos procedimentos, meti mãos à obra. Agarrada com firmeza, uma caixa desceu do monte de muitas. Por fora uma etiqueta: "roupa de mulher". Já completamente esventrada, comecei a retirar as ofertas para um lençol previamente estendido no chão. A roupa é usada mas quer-se limpa!
Selecção das roupas por idades e sexos |
Quem necessita escolhe com (à)vontade. |
Selecção já feita |
E quando e a quem se oferece?
Sempre que existe uma oportunidade, que aqui nesta terra, é todos os dias. Caixas sortidas são enviadas para orfanatos, escolas, missões. Pelo Natal são feitos conjuntos personalizados que se oferecem aos meninos internados nos hospitais de Maputo. E por fim, a quem pede e quem necessita. Todos os dias são dias de ofertas.
Mas nem tudo é usado. Muitas são as empresas que escoam os seus stokes já descontinuados para estas paragens. Muitas são as peças de roupa ainda com etiquetas, conjuntos de livros e material escolar por estrear, calçado de marca, artigos de puericultura, entre outras ofertas novinhas em folha. Roupa, livros, malas e carteiras, rendas, lençóis e cortinados, acessórios vários, brinquedos, são dádivas generosas que chegam do outro lado do mundo.
Podem imaginar a felicidade desta gente que necessita?
Não, não podem. É algo que só quem observa pode descrever.
Depois de uma tarde de separação bastante cansativa, conduzi até casa. Na rua e em cada ser via alguém para ser ofertado. Foi o momento em que a minha consciência percebeu de como realmente esta gente necessita. E necessita de tudo. E tudo é bem vindo.
O valor destas mulheres voluntárias é muitas vezes esquecido, ignorado e até desconhecido. Mas estas mulheres, que dedicam tardes inteiras à selecção da alegria dos outros, não podem ser menosprezadas. O trabalho voluntário que desempenham em prol de quem realmente necessita é louvável e merece ser divulgado, aplaudido, reconhecido.
Aqui fica a minha sincera homenagem. Bem hajam.
Assim se organiza a felicidade de muitos.
CSD
...ser voluntário é partilhar um coração com vários coraçõezinhos, é despertar o bom que há em nós e nos outros, é ajudar e ser ajudado, é estar presente, dedicar e aprender... é tentar dar o dia de amanhã, ontem ou hoje.
ResponderEliminarAmiga, a tua ajuda tem sido preciosa!
Obrigada.
Fantástico trabalho e excelente texto!
ResponderEliminarAmigos, obrigada pelas lindas palavras. É uma honra, dito por vós que tanto têm dado a esta terra.
ResponderEliminarBeijinhos
A união faz a força! todos juntos havemos de conseguir "roubar" mais sorrisos aqueles que menos motivos têm para sorrir!
ResponderEliminarObrigado pelo excelente texto a que já nos habituaste!
Que belas palavras!Há entusiasmo,força e comunicação muito forte.
ResponderEliminarUm abraço.
Cada vez mais e melhor.Parabéns.Beijinhos
ResponderEliminarL.M.T.S.