A PRIMEIRA GRANDE VIVÊNCIA - BRUXELAS

Ano: 2005, mês: Setembro, dia: 18, destino: Bruxelas.

Partimos para o nosso primeiro destino: Bruxelas.
Foram alguns meses de ansiedade até que finalmente, e durante o mês de Maio, lá saiu o determino. Foram quatro meses de preparação para a partida.

A viagem aérea foi curta. São necessárias somente duas horas e vinte minutos para aterrarmos em terras belgas. O tempo a bordo passa depressa e na TAP viaja-se bem. Esta foi uma viagem repetida várias vezes ao longo dos quatro anos de estadia por terras belgas.

A chegada ao aeroporto de Zavanten (parte flamenga da cidade) fez-se durante o fim da tarde de sábado, que atendendo ao mês em referência, apresentava já noite escura. Estava fresco e estávamos cansados. O aeroporto de Bruxelas é muito grande, tem muitas passadeiras, escadas rolantes que sobem e descem, e com um filho de um ano e vinte meses a querer vaguear por todo o lado, chegámos ao tapete de recolha das malas já depois de todos terem partido com a sua bagagem. As nossas eram as únicas ainda a rolar!

Á nossa espera estava o pai e marido, acompanhado por um colega que teve a amabilidade de nos ir buscar. As saudades eram muitas pois estávamos separados há perto de um mês. Chegámos finalmente e isso era o mais importante. Estávamos novamente juntos.

Instalámo-nos num aparthotel na Avenue de La Renaissence. Um apartamento confortável com vista para o magnífico Parque du Cinquentenaire. Mantivemo-nos por lá até encontrarmos o lugar ideal ao qual chamaríamos casa nos quatro anos seguintes. No dia 5 de Outubro mudámo-nos finalmente para o nosso apartamento. A partir desse momento a Avenue de Tervuren, nr 196 seria a nossa casa e Woluwe Saint Pierre o nosso bairro ou “Comune” como lhe chamam os belgas.

Tratava-se de um apartamento fabuloso, muito bonito, recentemente renovado, muito grande, com traça antiga e com um terraço muito bom. Para mim, foi o melhor de Bruxelas.

Os primeiros tempos foram cansativos, pois é toda uma adaptação que se impõe. A mudança, feita pela empresa Galamas, tinha chegado dias antes e houve que organizar a casa, tentando encaixar nesta tudo o que vinha de outra. Depois é o habituar á língua, ao espaço, ao bairro, aos costumes, etc. Tudo leva o seu tempo, mas consegue-se.

Bruxelas é uma cidade curiosa e a Bélgica, caricata.

Proponho-vos um exercício de imaginação: pensem na nossa bandeira de Portugal. Na parte verde (a norte) estão os flamengos, na nossa esfera armilar (ao centro) está a cidade de Bruxelas, francófona e flamenga, e na parte vermelha (a sul), os francófonos. Agora imagine-se uma rivalidade absurda, digo eu, entre as várias partes. É uma rivalidade que não é de agora, é certo, mas que se sente diariamente. É uma picardia que se nota em pequenas coisas.
Muitos seriam os exemplos que eu poderia relatar sobre estas “desavenças”, mas um é suficiente para se perceber a que ponto chega o “bairrismo” desta gente. Um dia, necessitei de contactar um médico especialista cujo consultório se situava na parte flamenga dos arredores da cidade de Bruxelas. Liguei para a comuna (freguesia) da área de residência do médico e falei em francês. Imediatamente e como única resposta foi um “nein”, repetida variadíssimas vezes. Fui obrigada a desligar a chamada, pois não havia conversa possível e eu não dominava o neerlandês. Decidi então fazer o teste e voltei a ligar. Desta vez falei em inglês. Posso dizer que fui muito bem atendida e que apesar de não me terem fornecido a informação solicitada, consegui manter uma conversa.
Isto é assim mesmo fora da cidade de Bruxelas.

Realmente e fora da capital, as coisas complicam-se. Assim que saímos estrada fora para a parte norte, ou seja para o lado flamengo, temos de mudar o nosso “ship” para o inglês ou para o holandês, caso se domine a língua. Até as cidades mudam de nome conforme a língua em que sejam chamadas.
Se caminharmos em direcção ao sul, parte francófona, sente-se o mesmo, mas de uma forma mais suave. Se escutarem o flamengo, mudam de semblante mas, de forma educada, lá vão respondendo. É curioso.

Na capital é diferente. Diariamente falam-se ambas as línguas. Nas lojas somos atendidos com dois bons dias (em francês e em flamengo), toda a sinalética de estradas está igualmente escrita nas duas línguas, a correspondência que nos é enviada pelas comunas tem as duas línguas, as facturas têm os dois idiomas, etc. Há uma tolerância natural para se suportarem os dois idiomas.
Uma explicação poderá ser a existência das instituições europeias, que pregam a união e a “irmandade” em cada documento que elaboram. Mas e o resto do país? Porque não se toleram? A independência é reclamada pela parte flamenga, mas confesso que não consigo imaginar aquela Bélgica dividida, como que cortada ao meio. E Bruxelas, como se resolveria?. É extremamente complicado para um português compreender tal emancipação de partes, tal divisão de terras e famílias. Nós somos todos “um só” e é assim que tem de continuar.

Mas independentemente destas rivalidades linguísticas, temos um país belo, muito verde, muito bem equipado a nível de vias rodoviárias e de transportes. O sistema de saúde funciona bem, muito bem e a custos razoáveis. Há muitas farmácias e com muita qualidade. Há de tudo e para todos. Até as nossas coisinhas portuguesas são facilmente encontradas. Sentimo-nos em casa.

Mas também há atrasos: o sistema bancário por exemplo, existe mas confesso que nosso português é muito melhor. Somente no banco onde temos conta poderemos proceder ao pagamento de facturas, ao passo que no nosso Portugal, tudo está disponível em qualquer multibanco de que rede for. Outra diferença são os horários de tudo. Os belgas fecham cedo e se trabalharem ao sábado, na segunda estão fechados. Que saudades tive de poder tomar café ou passear num Centro Comercial ás 22 horas! Chamam-lhe qualidade de vida, mas para mim é um atraso. É um povo que não se mata a trabalhar. A sua grande fonte de riqueza está no aluguer de casas á comunidade internacional. É daí que vem o seu grande proveito. É o arrendamento que sustenta inúmeras famílias. E que famílias, pois o numero médio de filhos por casal é de três! Imagine-se!

Apesar de os belgas não serem um povo dócil e companheiro, são cordiais e educados. Riem-se muito, mas prestam pouco auxilio. Nunca poderei esquecer que após ter vindo com meu filho de uma urgência hospitalar ás 23 horas, deparei-me com uma farmácia que tinha acabado de fechar a porta havia um minuto. Por muito que batesse no vidro e explicasse que a receita era para a criança, a resposta foi a mesma; estamos fechados. Fria e estúpida!
Outro exemplo foi num dos passeios que demos por uma das cidades belgas. O meu filho deu uma valente queda e apesar de o passeio estar cheio de pessoas e muitas se terem apercebido do sucedido, ninguém se aproximou para perguntar se necessitávamos de auxílio. Todos continuaram na sua caminhada: frios e brutos. Outro exemplo veio de um vizinho. No dia da nossa mudança para Portugal, houve necessidade de colocar uma escada na frente da nossa janela para se proceder á retirada de caixas. Essa escada teria forçosamente que ocupar parte da saída da garagem. Por muito que se justificasse e argumentasse que seriam poucas horas, recebemos uma carta a declarar o “não permitir a obstrução da garagem”. E eu até o achava muito simpático, imagine-se! E muitos outros exemplos de falta de maleabilidade eu poderia descrever. Mas ficamos por aqui.

A grande vantagem de Bruxelas é a localização. Está efectivamente no coração da Europa e em pouco tempo acedemos aos outros países vizinhos. Podemos aproveitar para fazer lindos passeios de um dia a cidades estrangeiras francesas, alemãs, holandesas, luxemburguesas, etc. Todos estes países são vizinhos da Bélgica.

A grande desvantagem de Bruxelas é o clima, e para mim, muito pessoalmente, a distância a que se encontra o mar.
O clima é terrível: durante grande parte do ano há uma espécie de capacete de nuvens que insistem em estacionar por cima da cidade e fazer com que os nossos dias não tenham luz nem brilho. Chove diariamente e por vezes com tal intensidade que parece um dilúvio. As trovoadas são também presença constante nos céus belgas. O frio é muito e longo. O melhor mês e no qual podemos encontrar uma amostra do verão português é o mês de Maio. São quinze dias a três semanas de sol e temperaturas amenas na ordem dos 28 ou 29ºC para logo no mês seguinte, aparecerem as nuvens e as chuvas que se manterão até ao próximo mês de Maio. Mas quando a natureza resolve brindar com alguns dias soalheiros, é ver os belgas estendidos e até em fato e banho, nos magníficos parques verdes espalhados pela cidade. Também o ar que se respira é diferente. Muitos são os problemas respiratórios sentidos por crianças e adultos. O meu filho foi um mártir naquela cidade!
O outro senão é a distância do mar. Para uma alfacinha é difícil não poder ver e sentir o cheiro do mar a cada dia eu passa. Fazer cerca de 120 quilómetros (só ida) para ir á praia não é viável. Não somente pela distância, mas principalmente porque as praias se situam todas no mesmo lado da Bélgica (lado norte) e quando o tempo o permite, todos rumam para o mesmo lado e dão-se os engarrafamentos monumentais e horas perdidas nas auto estradas. Além disso, uma praia do norte é o que se conhece; água fria, areia grossa, vento com fartura. Em 4 anos visitámos duas praias e as saudades não ficaram.

Relativamente á gastronomia: o prato típico belga são as “moules” ou seja mexilhão cozido ou estufado sempre acompanhado de “frites”, batata frita em palitos. Confesso que não fiquei fã. Depois há um rol imenso de restaurantes típicos de variadíssimos países. É só escolher, mas atenção pois as ementas por vezes escondem preços exorbitantes. Não é barato comer fora de casa na Bélgica. O nível de vida é caro e por isso há que fazer bem as contas ao orçamento.

Foram quatro anos que passaram.
Não posso dizer que fui feliz. Muitos contratempos, muitas horas de solidão, muitas doenças, muita chatice. Mas fica sobretudo a experiência, os belos passeios dados pelas cidades mais importantes e os amigos que criei.

Será sempre algo para recordar, mas para regressar, não obrigada!

Até sempre
CSD

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