CAÇAR: UM MAL (DES)NECESSÁRIO?
Enquanto tomava o meu pequeno-almoço e depois de já ter depositado filho e marido nos respectivos “estabelecimentos”, pude visionar um documentário televisivo num dos meus canais preferidos: Odisseia.
Tratava-se de tentar explicar o interesse que o acto de caçar tem no ser humano. Para se poder ter uma ideia abrangente da questão, um jornalista decidiu entrar no mundo da caça e do caçador. África do Sul foi o destino escolhido, pois é lá que ainda existem reservas de caça em estado selvagem, criadas para esse mesmo efeito: dar alegria aos que gostam de matar animais.
Para o jornalista e também para mim, é difícil entender esse gosto por disparar armas sofisticadas contra animais indefesos e distraídos. Mas para os vários detentores e utilizadores das reservas de caça, é natural abater esses animais, pois foram criados para esse mesmo fim.
O processo é muito simples ao nível da execução. Quem tem gosto pela caça, paga uma determinada quantia ao dono de uma dessas reservas para poder fazer uma caçada. Cada animal tem um custo, ou seja, se se pretender abater um Kudú, paga-se uma quantia, se o animal a abater for um leão, outra, se for um elefante, outra. Se a presa a abater for um javali, fica muito mais em conta. Pode-se concluir numa primeira fase, que a caçada irá depender do bolso de quem quer matar. Acompanhando de perto um desses endinheirados matadores, foi muito fácil perceber que o gosto por caçar estava enraizado nesse corpo humano. O prazer de matar brotava de cada poro. Quando conseguiu finalmente abater a presa, um Kudú macho, viu-se nitidamente o seu estado de euforia, de triunfo, de missão cumprida. A foto tirada com o animal morto e a pose de superioridade ficaram-me gravadas na memória. Quanto maior for o animal, maior a emoção, maior o troféu que se ergue. Este é o primeiro lado da caça.
O segundo lado da caça foi apreciado na perspectiva de quem tem as reservas.
As reservas são espaços de savana de grandes dimensões onde são criados os postos de vigia para abate, os lagos artificiais que proporcionam aos animais a água fresca, as vegetações mais saborosas, etc. Há toda uma organização e embelezamento a fazer para chamar os animais. Tudo isso custa dinheiro.
Aqui subdividem-se as características de cada “dono”.
Uns permitem unicamente a utilização de “bestas”, ou seja, não são permitidas armas de fogo para abater os animais. Esta crença prende-se com o impacto que o tiro tem nos ditos animais, tornando-os mais esquivos e nervosos. O que se pretende são animais dóceis e sem medo do ser humano. A besta, com a sua seta afiada, simboliza a caça primitiva e o preservar dos velhos costumes. Neste grupo figuram também aqueles que demonstram apego por uma ou outra espécie e por isso proíbem o seu abate. Neste caso, coube ás girafas essa protecção.
O segundo tipo é dos que defendem que um belo tiro com mira telescópica faz toda a diferença. O sofrimento do animal é tido em consideração e há um local estipulado para onde se deve apontar e disparar. Assim o animal morrerá sem sofrer, dizem eles! Estes são os que também defendem que os animais não possuem sentimentos. Discordo integralmente. Quem nunca assistiu ao sofrimento de uma mãe quando perde uma cria!?. Que ela não saiba identificar o que sente, concordo, mas que sente a perda, sente e muito.
O terceiro tipo é para mim, o mais difícil de entender. É composto por aqueles que defendem a caça a todo o custo, que cresceram nesse meio e que nada mais sabem fazer. São os que investem na qualidade com vista á obtenção dos melhores exemplares. Formam animais robustos, que valerão mais dinheiro. Mais dinheiro significa a compra de excelentes exemplares dos quais descenderão outros ainda mais excelentes. Significa a melhoria das condições de caça e principalmente traduz-se no mexer de uma economia que sustenta um país. Mas o mais extraordinário foi a convicção mostrada relativamente á existência ainda destas espécies. Segundo o dono e criador desta reserva, se não fosse esta actividade e ele em concreto, já não existiriam animais selvagens em África. Existem, porque ele e a sua equipa os cria e preserva. Eu senti que ele acreditava piamente no que dizia.
O jornalista, num esforço desesperado para entender a adrenalina provocada pelo acto de apontar, disparar e ver morrer, decidiu experimentar. Tal como se esperava, o tiro não se ouviu, o dedo não premiu o gatilho, a mente não deu a ordem e a caçada não se fez. O sentimento que se seguiu foi estranho. A descompressão deu lugar á incredulidade. Porque os outros conseguem e ele não? Onde está o interesse que os outros encontram nisto?
Eu sou declaradamente anti caça e por isso não consigo encontrar maleabilidade mental suficiente para entender e aceitar esta actividade. Considero-a desonesta. Os animais encontram-se no seu espaço, em família e de repente sofrem o impacto que os conduz á morte. Não entendo o gosto, o prazer, a felicidade, a galvanização de tirar a vida e sentir-se bem com isso, de ostentar um troféu pelo prazer de ter ganho uma batalha injusta e desigual. O tiro aos pratos também dá prémios!
Por outro lado, pensar que a existência dos animais selvagens poderia estar comprometida, devido ao consumo diário das populações rurais e muito carenciadas de África, assusta-me. Pensar que só não estão extintos porque existem seres humanos que fazem o favor de os criar para sabermos que existem, para depois possibilitarem a caça! Meu Deus! Devo-lhes agradecer por perpetuarem as espécies, mesmo que seja por um período de tempo curto?
Caçar para comer, sim faz parte da vida. A vaca, a galinha, o frango, o porco chegam ao nossos pratos porque alguém os criou para serem comidos, e sei que provavelmente a morte será mais dolorosa do que a destes animais selvagens, mas custa-me aceitar o troféu subjacente a esta morte.
A conclusão que me é permitida retirar deste documentário é no mínimo, confusa.
Não consigo concluir o que quer que seja.
Não consigo aceitar a morte por desporto e muito menos a ostentação do prémio.
Faz-me pena ver morrer.
CSD
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