A SEGUNDA VIVÊNCIA: CHEGADA A MOÇAMBIQUE

A viagem é longa, o destino desconhecido.

Mais uma vez o avião da TAP possibilita a nossa a deslocação. Dentro do pássaro metálico, aguardamos as instruções e preparamo-nos para a partida. Corações ao alto e confiança nos pilotos. Deus fará o resto.
Perante uma viagem de 10 horas e 40 minutos, a leitura é a nossa primeira tábua de distracção. Depois, entre refeições, passeios e sonecas lá passam as primeiras 6 horas de voo. As restantes são às escuras tendo por companhia o filme que passa e o ressonar dos felizardos. O relógio adianta mais 3 horas. Só falta o resto! Finalmente a frase tão aguardada: “Srs. passageiros, dentro de momentos iniciaremos a descida em direcção ao aeroporto de Maputo.” São os 30 minutos mais longos de toda a viagem. O corpo está saturado e a mente comprimida.

Finalmente, aterrámos no aeroporto de Mavalane, no sábado 19 de Setembro de 2009, pelas 21h45. A vista nocturna da cidade é a primeira recompensa. O ar quente e húmido confirma a entrada noutro mundo.
Á nossa espera e tal como tem vindo a ser habitual, estava pai e marido, mais um amigo que teve a amabilidade de nos ir buscar. O reencontro sabe bem ao fim de 34 dias de separação.

Maputo visto de Catembe

Após o período obrigatório de instalação e reconhecimento do meio envolvente, pode pensar-se numa primeira avaliação. E as primeiras impressões foram boas.
Não é o paraíso, como muitos me quiseram fazer quer antes da minha partida, mas com um pouco de optimismo e compreensão, consegue-se ter qualidade de vida.

A cidade em si revela ter sido em tempos, magnifica. A esquadria portuguesa existe e faz da cidade muito funcional. São avenidas largas que nos permitem uma orientação infalível. Os prédios e principalmente as vivendas, ainda são do nosso tempo e mostram uma arquitectura que já nem em Portugal se encontra.


Instituto de Meteorologia de Maputo

A envolvência do mar e o sol quase sempre presente, dão uma alegria espontânea a estes rostos negros. O comércio é diário, tudo se vende nas ruas. Cada esquina tem um vendedor com a sua banca e os seus produtos. O homem das frutas e legumes, o sapateiro, o homem dos dvd´s, o homem das pilhas, dos transformadores, das roupas, dos jornais, etc, todos estão nos seus postos ou ao longo das grandes avenidas.

Manta de artesanato na Av. julius Nyerere
Escolhemos a Av. Armando Tivane para residir. É uma avenida paralela à grande Av. Julius Nyerere, da nossa embaixada portuguesa. O bairro chama-se Polana e é um dos bairros "nobres" da cidade de Maputo. O apartamento é simpático e tem todas as condições a que estamos habituados. Gerador e segurança 24 horas proporcionam-nos qualidade de vida.

Mas a par de tudo isto, temos também todos os ingredientes que fazem desta terra o terceiro mundo. Passeios muito degradados, lixo espalhado e acumulado por todo o lado, pobreza visível a cada esquina, transito anárquico, desrespeito constante pelo peão e um caos urbanístico crescente.


Lixeira na capital

Caos urbanístico na cidade de Maputo
Muita corrupção origina dinheiro fácil. Sentimos isto logo à chegada ao aeroporto: por lapso, trouxemos para casa uma mala que apesar de ser igual á nossa, não era a nossa. Voltámos novamente ao aeroporto e sentimos de imediato a resistência "inventada" quando solicitámos a troca das malas. Muitas explicações foram necessárias para que a segurança se dignasse a permitir que outro elemento fosse buscar a chaves que davam acesso á sala de “bagagem não reclamada”. Tudo servia para dificultar o acesso á nossa mala: o aeroporto já estava encerrado, o chefe não estava, não tinha autorização, não tinha o livro de registos, não tinha caneta, etc. Valeu-nos o nosso amigo, que puxou dos seus “galões” e fez ver á segurança que conhecia o “chefe” em questão e que nada iria contra as regras alfandegárias. Se não se tratasse da mala do meu filho com toda a sua roupa para dois anos, bem que teríamos virado costas. Fomos obrigados a abrir a mala e a provar que conhecíamos o código do cadeado. Muito contrariada, a segurança fez-nos assinar o livro de registos achando que teria seguramente uma recompensa pela sua “amabilidade”. Enganou-se! “Refresco”, como é chamada a gorjeta, teve o guarda do aeroporto que permitiu a nossa entrada no mesmo, quando este já se encontrava fechado. Imediatamente percebi o grau de miséria em que este país ainda vive e o sentido de oportunidade enraizado em cada ser.

Isto é o que se consegue constatar a este nível. Quando se pensa a nível governamental e mais em concreto, a nível político, as coisas agravam-se consideravelmente.
As campanhas para as eleições presidências, legislativas e provinciais decorreram em Outubro de 2009. O povo, não me pareceu entusiasmado e não fosse a TV a dar o diário da campanha, nem tínhamos dado pelo período eleitoral. O desalento é grande, pois apesar das promessas serem sempre ponto alto, a realidade revela outra coisa. O desemprego é muito, os funcionários públicos são mal pagos, os cuidados de saúde ainda são muito rudimentares, a taxa de mortalidade infantil continua elevada, a segurança é cada vez mais um bem precioso, a polícia é pouco eficaz, etc. Mas a classe política, essa sim, tem todas as condições e todos os privilégios. Eles, os deputados, são detentores de grande parte dos poucos negócios que florescem diariamente pela cidade. A frota de Chapas, por exemplo pertence a meia dúzia de deputados, as bancas de venda de frutas e legumes, também. São eles que auferem os grandes lucros, permitindo que o trabalhador veja uma migalha depois do trabalho duro e sujo. É contra esta injustiça que o povo se insurge, e são as eleições que o revelam através da taxa de abstenção. No dia 28 de Outubro confirmou-se o resultado já sabido. FRELIMO comandará por mais 4 penosos anos.


Estrada de Moçambique / N1

Nos arredores da capital as coisas são ainda mais inacreditáveis.
Saindo fora da cidade deparamo-nos com um país ainda por descobrir. Estradas não há. Picadas e restos de alcatrão são o que os nossos carros encontram. Casas é o nome que dão às palhotas feitas de palha e lama seca. Tijolos são um bem caro! Escolas e hospitais são do mais obsoleto que se possa pensar e distam centenas de quilómetros. A população subsiste através das suas machambas e do pouco que delas consegue retirar. A beira das estradas é muitas vezes o ponto de escoamento dos seus produtos e a única forma de verem meticais. As religiões e crenças espirituais ainda estão muito enraizadas e impedem o progresso. É duro ver tamanha pobreza. Só mesmo a musica consegue arrancar a estas gentes alguma alegria.

Mas Moçambique é um país de sorte. O seu povo é pacífico e tolerante, por isso toda a comunidade internacional tem vontade de ajudar e injecta avultadas somas de dólares para que o desenvolvimento se acelere. São inúmeros os protocolos de cooperação assinados com entidades estrangeiras. Os Chineses, por exemplo trabalham arduamente na construção de infra estruturas, os portugueses detêm grande parte das construtoras. A África do Sul aposta na criação de Centros de saúde bem equipados, embora se saiba que não estarão disponíveis a todos, mas é já é um passo. Todos querem um Moçambique melhor.


Este foi o Moçambique que encontrei. Muito haverá ainda por descobrir dentro destes quase 3.000 quilómetros de comprimento. Paraísos sei que os há e seguramente muito haverá para contar.

Novos relatos para breve.

CSD

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