A ILHA DO IBO
Cabo Delgado, uma das onze províncias deste imenso Moçambique, tem no seu lado norte e ao longo de aproximadamente 200 quilómetros de costa, o Arquipélago das Quirimbas. Uma das suas 32 ilhas é a Ilha do Ibo, que se destaca pela sua importância histórica e estratégica. Merecia por isso uma visita por parte destes curiosos portugueses.
De Pemba à Ilha do Ibo são 25 minutos voando numa daquelas folhas de papel metálicas de quatro lugares e um motor. Após saída atribulada do Pemba Beach Hotel por manifesta incompetência do pessoal, chegámos ao aeroporto de Pemba às 8h30, sem o nosso mata bicho e muito revoltados com a incompetência. Sentados num banco de pedra face à pista, fomos mordiscando bolachas e fruta que ainda existiam na nossa mochila. A aeronave estava atrasada, o que fez aumentar ainda mais a nossa revolta. Finalmente o motor do nosso futuro avião fez-se ouvir e imobilizou-se na pista. O sinal de embarque foi dado.
O céu mostrava-se escuro lá para os lados do nosso destino. Com as primeiras pingas a fazerem-se sentir, entrámos no Cessna. Após as recomendações da praxe, iniciámos a viagem a baixa altitude com tremedeiras constantes e nuvens negras a abraçar-nos. Decorridos 15 minutos de viagem, a asa direita da folha metálica inclina-se. Estava iniciada a manobra de regresso a Pemba, pois as condições atmosféricas mais adversas intimidaram piloto e avioneta. Desembarcados em Pemba, aguardámos directivas que não existiram. Regressámos ao Pemba Beach hotel e após conversa queixosa com o director, foi-nos servido o nosso mata bicho faltoso. Eram 11 horas e 30 minutos. É uma pena um espaço tão bonito ter um serviço com tanta falta de qualidade e eficiência.
Pemba Beach Hotel |
O mata bicho em forma de brunch estava terminado e as indicações de possibilidade de voo chegaram aos nossos ouvidos. Novo transfere para o aeroporto, nova entrada na aeronave e nova partida para a Ilha do Ibo. A viagem aérea foi camuflada pelas nuvens negras que pairavam no céu. As raras tréguas permitiam-nos ver que o mar estava perto e os recortes da terra eram bem definidos. A chuva caía lá fora e pingava também dentro da nossa aeronave. A prece, foi minha companheira constante.
O embate das três rodas no solo foi suave e fofo. A pista em jeito de tapete de relva estava verdejante e molhada, o que me fez pensar numa aterragem falhada. Mas não. Chovia abundantemente. À nossa espera o jipe de safari-transfere. Para dias como aquele, foi o banho certo e indesejado!
A chegada ao Ibo Island Lodge foi molhada. À nossa espera, estava a anfitriã com a sua palestra de boas vindas e apresentações, que dadas as circunstâncias, se tornaram inoportunas. O logde em si é um espaço bonito, florido, agradável, bem preservado, bem mobilado embora num estilo pouco português. Composto por vários edifícios, a antiga casa do governador foi e continua a ser, uma bela residência portuguesa.
Já instalados no quarto de nome Kixewa (peixe), e aproveitando as tréguas meteorológicas, fomos conhecer a ilha num delicioso passeio a pé. Com o guia Ali seguimos estrada fora visitando cada ponto importante da ilha bem como os "nossos" locais; aqueles que têm ainda o nosso cunho e a nossa alma.
A Ilha do Ibo não é grande mas já o foi em tempos idos. Organizada, foi votada ao abandono aquando da época da independência. O comércio, sua marca empreendedora, deixou de se fazer e o povo foi forçado a partir. Desde aí, a degradação tomou conta do espaço e a pobreza criou raízes.
A estrada de terra vermelha conduziu-nos à Fortaleza de S. João Batista, edificada em forma de estrela, ocupada pela PIDE durante aquele período complicado da nossa história e transformada em prisão. No largo central, uma amendoeira gigante faz rivalizar a sua sombra com as sombras das almas que sofreram. Nas palavras do nosso guia entoando a frase conhecida "entra vivo e saí morto", sentiu-se a amargura desses tempos.
Dentro, oficinas de artesanato Makonde, ateliers de costura e oficinas de prata, ocupam hoje as salas que outrora escutavam torturas e repressões. Noutra dessas salas, um arquivo completamente abandalhado encerra documentos secretos portugueses que contam a nossa história e cuja importância mundial parece não interessar a ninguém. Vai-se degradando a cada chuvada, a cada intempérie até um dia ser fogueira. Dói muito ver a nossa história ser tratada assim.
Continuando o nosso périplo, passámos a "Casa das Conchas", antiga casa do advogado Eduardo Pereira datada de 1950, caminhámos pelos trilhos mal amanhados e passámos pelas casas com cunho português, que albergam hoje os pobres da ilha.
Casa colonial constrastando com casas do povo |
O sorriso de felicidade |
A pureza de ser criança |
Seguindo o nosso guia, tomámos conhecimento de algumas curiosidades. Nesta pequena ilha existem 139 poços de água fresca, 10 mesquitas e 1 igreja católica.
A Fábrica de Sabão, outrora grande industria de importação e exportação, está igualmente decadente.
Igreja Católica, única em toda a Ilha |
Outro forte se nos apresenta. O forte de São José, construído em 1760, prisão daqueles cujas ideias eram diferentes das do regime. Este pelo menos está a ser alvo de recuperação.
Forte de São José |
A marginal é ampla e recortada. O mar é calmo como todas as águas que vivem em baias. A baía do Ibo não foge à regra fazendo daquelas águas apetecíveis, embora a praia não seja convidativa. Nela abundam os barcos dos pescadores e as cabras, que se passeiam pelas águas refrescando os seus cascos.
Já ao entardecer recolhemos aos nossos aposentos para um descanso merecido. O por do sol foi uma vez mais fantástico e reconfortante.
Por do sol em Ibo |
O jantar teve lugar no terraço com vista de mar e a ementa foi inovadora: entrada de creme de abóbora com molho tártaro, sopa fria de pepino, cubo de gelatina de limão e gengibre, lagostim com arroz de algas e tarte de maçã quente com molho de natas. "Haute Cuisine" com os cumprimentos do Chef.
O céu, carregado de estrelas cintilantes, numa pintura nunca outrora vista, foi o culminar de um dia de história e com história.
CSD
Mais uma viagem inesquecível para sempre recordarem.
ResponderEliminarAbraços
Para informação não era a casa do governador e sim do administrador do concelho.O meu pai foi administrador do concelho no Ibo e essa era a nossa casa.O Ibo além da administração na altura que o meu pai foi administrador também já tinha câmara municipal.
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