CONVERSA AMIGA

Sentada sem brisa, nem solavancos, nem despesa, viajava pelo norte deste Moçambique por explorar. Utilizando a pequena janela do meu computador, permitia-me descobrir. O passado convite para a apresentação de um novo lodge naquelas paragens, aguçou-me o interesse.


NIASSA, lá, lá muito longe, a cerca de 3.000 quilómetros da capital. As paisagens da maior província de Moçambique  são fascinantes, convidativas. O maior lago de água doce mora lá. Passa o tempo sem darmos por ele quando se exploram águas cristalinas, baías paradisíacas, savanas inóspitas. Os enquadramentos fotográficos são de sonho. Trata-se de um dos locais onde a mão do homem ainda não fez estragos. Será um destino apetecível.

Lago Niassa (foto retirada da internet)

Niassa (foto retirada da internet)
Com vontade de partilhar aquilo que via, perguntei à minha Amélia:

Já foi ao norte da sua terra?
Sinhóra?

Pergunto-lhe se já foi até ao norte de Moçambique?
Nãaao, nuuunca!

Quer ver? Venha cá.
Timidamente a minha Amélia acercou-se desta nova tecnologia papão e a medo lá se baixou para ver melhor.

Não é lindo? Gostava de lá ir? Trabalhando com o rato, fui descendo lentamente imagens de sonho que ofuscam qualquer um. Os olhos esbugalhados da Amélia não mentiam.
Gostáva sinhóra. Obrigaaada.

Onde é que você nasceu?
Sinhóra?

Nasceu onde?
Lá, num sítio perto de Manhiça.

E como se chama esse sítio?
É distrito de Cálanga, Sicálanga. São duas horas di tempo, se andar bém. Si andar mále, são 3 horas di tempo. Siiim.
Áqueli meu marido é que é de lá, de Nampula.

O seu marido nasceu em Nampula?
Siiim.

E ele tem lá ido?
Sinhóra?

O seu marido costuma lá ir?
Nãaao, faz muito tempo que não vai. 16 ano qui não vai.

E você, não gostava de lá ir?
Siiim. Mas muito caro sinhóra. 2.500 conto por pessoa! Si for para Quelimane é 1.500 conto.

Ida e volta?
Nãaao. Só ida. A volta é preço igual.

E quanto tempo demora a chegar lá?
Uma semana di tempo, se for chapa. No machibombo esprresso é 5 dia.

E onde é que dormem quando fazem essas viagens grandes? É numa ...
Nãaao, não é em casa. O machibombo procura sitio à beira di estrrada para encostar, e as pissoa dorme lá. Siiim.

E comem também à beira da estrada, não é?
Siiim, mas como são muitos dia, comprrámos na estrrada.

Então, até onde é que foi Amélia?
Sinhóra?

O mais longe que foi, foi onde?
Xai-Xai, siiim.

Uí, daí para cima é que a sua terra é bonita!
Siiim.

Contente por ter mostrado algo de novo à minha empregada, mas triste por não ter tido quem me acompanhasse na absorção do magnífico, continuei na minha exploração solitária mas reconfortante.

Esta podia ser uma banal conversa. Mas escondidas nestas palavras, encontram-se anos de discrepância. Mundos diferentes dentro da mesma cobertura. Uma injustiça atroz que magoa.

Estes dois mundos tão diferentes, o meu e o dela, são co-habitáveis tal como comprova a convivência pacifica das palavras, mas na prática, nada do que eu vivo, nada do que eu sonho pode ser vivido e muito menos sonhado por esta criatura que me serve com lealdade. A minha sorte é desconhecida para ela. O mundo dela não serve para conhecer, somente para sobreviver dia a dia. O meu mundo está aberto e reclama-me altivamente.

Ela vê o que a deixam viver. Eu vivo, o que quero ver.
Será justo?

CSD  

Comentários

  1. O cerne da questão é mesmo o lado da vida em que se está.
    Nós temos a sorte de estar do lado daqueles a quem foi dado o direito de ver e viver,outros somente vivem e há ainda os que apenas vegetam...

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  2. Carla,
    Essa é terra com dupla personalidade...
    Tem a magia de nos fascinar e a capacidade "desesperante" de nos desconcertar!!!
    Mas sei que mesmo as histórias tristes da "sua" Amélia saberão ser mágicas e ajudar a conhecer um país que tanto tem para dar. Assim soubessem aproveitar...
    Beijinhos com saudades.
    Manuela

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  3. "A esperança é a arte de ser feliz sem a felicidade..."
    Um abração

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