CÓRDOBA

Córdoba

Começa a ser rotineiro. De repente, numa decisão quase intempestiva e porque há dias de férias para gastar, faz-se a trouxa e abala-se. Meia dúzia de trapos enfiados na maleta e ala que se faz tarde. Atestado e pressurizado arrancamos de coche para a Andaluzia. Outra vez? Sim, há bué para ver! Sete dias para penetrar no misterioso mundo árabe, judeu e cristão. Fomos à descoberta da demonstração perfeita de aceitação e respeito. Outros tempos!

Córdoba é mística, tem uma aura diferente de um tempo longínquo. Conquistada pelos romanos em 206 ac, foi objecto de várias cobiças. Vândalos, bizantinos, visigodos, muçulmanos e cristãos deixaram o seu legado para a eternidade fazendo desta terra um arco-íris de cultura e um deleite para quem a visita.  A cada passo que se avança testemunhamos essa miscelânea de culturas, tradições, cheiros e sabores. De ruas estreitas e becos surpreendentes, dos edifícios seculares à modernidade, Córdoba é uma caixa de surpresas que dá gosto descobrir.

Podíamos começar por qualquer lado, de tanto que há para ver. Infectados pelo vírus "turistar" e sem grande tempo a perder, optamos pelo balcão de informações na Plaza de las Tendillas e ... bora lá comprar passes com hora marcada e acesso privilegiado!


Plaza de las Tendillas

Chegados ao coração do antigo bairro judaico somos assolados por uma sensação de tempo parado desde o século 10º, quando Córdoba era uma das mais importantes e povoadas cidades do ocidente e a única com iluminação pública. Foi sob o jugo muçulmano que Córdoba desabrochou.

Bairro judaico

Num raio de poucos passos temos o Alcazar de los Reys Cristianos, a Ponte Romana e claro, a Mezquita-Catedral de Córdoba, com os seus 12 séculos de existência. Muito para ver e outro tanto para caminhar.

O dia amanheceu farrusco, com um sol ainda por acordar e uma brisa fresquinha. Apesar do sul de Espanha reclamar temperaturas amenas o ano inteiro, fomos brindados em Fevereiro com 7ºc pela manhã. Caminhar para aquecer era a opção mais acertada.

Começámos pelo Alcazar de Los Reys Cristianos, o primeiro de muitos Alcazares neste périplo por terras da Andaluzia. 

Alcazar de los Reys Cristianos

Ao longo de vários patamares fomos desvendando pormenores interessantes deste castelo-jardim. O seu pátio mourisco salta à vista revelando o bom gosto dos reis católicos Isabel de Castela e Fernando II de Aragão que dele fizeram residência durante oito anos. São 4 muralhas unidas por outras tantas torres. No seu interior, o Pátio Mourisco e o Pátio das Mulheres, porta aberta para os jardins majestosos onde a paz impera. Lá dentro, entre arcadas e corredores, estátuas e gravuras em pedra, vamos seguindo as setas até ao salão dos mosaicos. Representações aos quadradinhos, em tons pastel, que só de longe se revelam. As cavalariças reais dão o último esgar de monarquia. 


Alcazar de los Reys Cristianos


Alcazar de los Reys Cristianos


Alcazar de los Reys Cristianos


Abalámos para a Puerta del Puente, uma das últimas três portas que ainda se conservam na cidade de Córdoba. Erguida em 1572 e terminada 4 anos mais tarde, este pórtico conferia prestigio e importância à cidade, uma vez que por ela passava o progresso. Aos seus pés, a Ponte Romana datada do primeiro século AC. 

Puerta del Puente

Imponente, maciça e rústica ergue-se sob o Rio Guadalquivir e liga a parte central da cidade ao Campo da Verdade. Os seus 16 arcos dão-lhe uma certa graça. Alvo de várias intervenções ao longo dos século, a última em 1876, mantém um estilo peculiar.  


Ponte Romana

Ponte Romana

No tabuleiro da ponte, a emblemática estátua de São Rafael do século XVI da autoria de Bernabé Gómez del Río. Consta que Rafael é o nome mais popular entre os rapazes andaluzes!
Estátua de São Rafael


Subimos à Torre de la Calahorra, uma antiga fortaleza muçulmana, mesmo no final da Ponte Romana. Lá dentro, o Museo Vivo de Al-Andaluz, representação da história de influências sofridas ao longo dos séculos IX e XIII, uma época de esplendor cultural, artístico e científico. Uma lição de história civilizacional. 

E com hora marcada, rumamos ao monumento mais emblemático e representativo desta cidade sul hispânica: a Mesquita-Catedral de Córdoba. Mas antes, tempo para um almoço de tapas, ou não estivéssemos em Espanha!


Mezquita-Catedral de córdoba - Puerta Del Perdón

Torre Campanário


Patio de Los Naranjos

A sua construção teve início no ano de 785 a mando do Emir de Córdoba Adb al-Rahman I, que sob a antiga Basílica Visigoda de San Vicente (datada do século 6) ordenou o início do que hoje é
 Património da Humanidade e considerado o monumento mais importante de todo o ocidente islâmico. E a terceira maior Mesquita do mundo! 

Mesquita original baseada na de Damasco e Jerusalém

Os séculos seguintes deste local santo para muitos muçulmanos foram tempos de ampliação e introdução de novos estilos arquitectónicos. No interior desta mesquita congregacional os nossos olhos descobrem numa primeira fase a arte califal e depois, como que numa mudança de página, pormenores góticos, renascentistas e barrocos. É a Catedral cristã erguida no miolo da mesquita que eterniza tais estilos. A sua consagração como Catedral deu-se no ano de 1236, ano da reconquista de Córdoba.  

Arte Califal

Mihrab

A sensação de profundidade sem fim é dada pelas colunas bi-cromáticas e pelos arcos de ferradura. É um estado de alma que nos acompanha desde que entramos no espaço. Um espaço escuro, frio e sinistro mas ao mesmo tempo protector e aconchegante. O Mihrab, com as suas inscrições douradas do Corão e os opulentos mosaicos bizantinos são o exmplo perfeito da fusão da arquitectura islâmica e grega.  E depois, no miolo da escuridão, eis que desperta a luz dos vitrais do mundo cristão. Único!    

Catedral

Tectos da Capela Principal

Em 1523 inicia-se a construção da Capilla Mayor, do Crucero e do Coro, o início de um templo novo no coração do Islão. Esta convivência sadia entre muçulmanos e cristão prepetuou-se no tempo mas infelizmente petrificou-se nos corações dos seus fiéis. Que monumento incrivel! 

E lá fora, os jardins povoados de laranjeiras que nesta primavera fora de época, envolvem o ar de um perfume apaziguador. As laranjeiras são lindas, mas as laranjas não prestam! Àcidas como fel!


Patio de los Naranjos

E fomos andando, como manda o turistar, por ruelas estreitas e becos curiosos. Jardins suspensos, coloridos, que enfeitam vielas e perfumam o ar. 


Ruas enfeitadas e floridas

Pateos andaluzes

Próxima paragem, Museo Júlio Torres. Fica na memória a representação da mulher despida, numa linha provocadora. Aqui reside a maior colecção do famoso pintor, de onde se destaca a pinturas de "Look how pretty she was" uma pintura galardoada com menção honrosa em 1895.  

Museo Júlio Torres


Look how pretty she was! (1895)

Seguiu-se a Plaza de la Corredera, uma plaza mayor, quadrangular cuja entrada e saída se fazem pelos mesmos arcos - arco alto e arco bajo. Data de 1683 e já foi palco das mais variadas actividades como corridas de touros passando pelos mercados municipais. Hoje é um bom espaço de convívio e lazer. 

Plaza de la Corredera

A igreja de São Francisco ficou em caminho. "Quem vê caras não vê corações" aplica-se na perfeição. Se vista de fora achamos uma fachada fria de 1510, já o seu interior é resplandecente de luz. Um tão sóbrio retiro que nos apetece ficar.   

Igreja de São Francisco

Interior da Igreja de São Francisco

Mas o destino final chamava-se Muralha. A sua Puerta de Almodôvar, resquícios ainda da época medieval, liga-se directamente ao bairro judeu e sua Sinagoga. Hoje, este monumento de defesa é um local de passeio e descanso.  

Muralha medieval

Puerta de Almodôver

Outro amanhecer. Já com Granada no pensamento fomos ainda explorar o pouco que esta Córdoba tinha escondido. A Sinagoga, construída em 1315 em estilo mudéjar, preserva ainda algumas inscrições, poucas, do Livro dos Provérbios e do Cântico dos Cânticos. Apesar da degradação evidente, há uma mística neste lugar. 

Sinagoga

Mais à frente, O Cristo de los Faroles, um crucifixo de grande volumetria datado de 1794 e  situado na Plaza de los Capuchinos. O seu nome verdadeiro é Cristo de los Desagravios y Misericordia mas as oito lanternas que o ladeiam e que representam as oito províncias de Andaluzia, baptizaram-no. Um contraste entre branco e negro que apela à devoção.    

Cristo de los Faroles

Reza a lenda, que diariamente à meia noite, se acercava do Crucifixo uma figura sinistra, encapuçada e que após umas breves palavras ao Cristo, desaparecia na escuridão. Um dia revelou-se: era um antigo soldado do Rei que na sequência de um assalto, à meia noite e antes do último suspiro, despertou na presença de Cristo de los Faroles. Nunca mais foi visto!

E abalámos para o passado! Medina Azahara a 5 quilómetros de Córdoba. 

Conjunto arqueológico Madinat Al-Zahra

Edificada no ano de 936 pelo Califa Abderramão III, esta nova cidade simbolizava o poder, a superioridade perante os outros califados e uma jura de amor eterno à sua mulher Zara. Destruída em 1010, levou ao colapso do califado e manteve-se ao abandono durante um milénio. Hoje, com fundos para a sua recuperação só 10% se encontra a descoberto. E muitas serão as surpresas enterradas por descobrir.  



Nave central do edifício basilical superor



Portada da casa de Ya'far

Pórtico frente de la Plaza de Armas
Prá frente é o caminho e já no sentido de Granada, uma última paragem no emblemático Castelo de Almodôvar. Esta fortaleza de origem árabe remonta ao ano de 760, aquando da ocupação muçulmana. Avanços e revezes levam a que no ano de 1240 seja tomado por Fernando III de Leão e Castela, o Santo, ficando assim em mãos cristãs. Já no século XV e despojado das suas funções defensivas, o Castelo começou a deteriorar-se, quase desaparecendo. Já no século XX, Rafael Demaissieres deita-lhe a mão e hoje temos o cenário ideal para a série Game of Trones.   

Castillo de Almodóvar



Rei Artur!


Pueblo Blanco

E chegou a hora de partir. Lá vamos nós, pela Andaluzia profunda à espera de novas descobertas, desta feita mais para lá ... Granada. 


Ponte Romana

E assim foi o nosso olhar sobre Córdoba.
CSD

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