INGRATA VIDA

Que vida é esta que nos tolhe no seu final? 
Que existência é a nossa que se vai gastando ao longo do tempo? 
Que fim é este que nos reduz e apaga da nossa memória, a vivência?

Os meus olhos viram a ingratidão do destino e a degradação de alguém que se estima. "Retrospectivamos" involuntariamente. A nossa mente, como que impulsionada por piedade, vai buscar imagens passadas que este ser desconhece neste presente. Desejamos recordar e dar sentido àquela existência. E sendo esta uma criatura sempre presente na minha vida, forcei-me a reviver os momentos passados em conjunto. No Jardim do Principe Real as pombas já nos esperavam. E eu, nos meus passos ainda trémulos, exultava felicidade. E ela, minha madrinha de baptismo, lançava as migalhas de pão guardadas com amor para me ver feliz. E os piqueniques vividos? E as almoçaradas gostosas? E os passeios à beira mar rejuvenescedores? E as festas em casa própria? A minha consciência realista garantiu-me que nada disto voltará. Jamais.

Hoje, encaro um ser acamado, vivendo num tempo próprio, sem noção de presente ou passado. Olha-me sem me conhecer, fala-me sem saber quem sou, beija-me sem o calor de outrora. O seu vazio mental oprime-me, desconcerta-me. Hoje, só ela sabe em que tempo vive. Só ela sabe quem somos nós. Só ela  se conhece. O seu cérebro ainda vai enviando a medo mensagens que a boca transmite, sem nexo, sem contexto, revelando um mundo à parte. A doença manda naquele ser, e ordenou o vazio.

Mas quanto tempo passamos nós a arquivar recordações? Quantos momentos deliciosos nasceram dos  testemunhos passados? Porquê esta doença insiste em ceifar o cérebro dos momentos de vida cheia, quando neste momento esta se tornou vazia? Se recordar é viver, porquê o fim sem recordações? 

No mínimo, esta nossa vida é INGRATA e EGOÍSTA!

CSD

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