AS VOLTAS DA ANTENA

Este não é conto, é verdade.

Nada é eterno e também as antenas auto fatigam-se de procurar as ondas. Um dia recusam-se a receber e a informar. O silêncio instala-se dentro de portas. E o silêncio para quem conduz é sinónimo de monotonia e tristeza.

Numa das ruas mais profundas de Maputo, o povo deambulava manhã cedo. De cabazes às costas, o peso dos seus produtos era esperado em meticais no final do dia. Rua acima, rua a baixo iam palmilhando os quilómetros da Kim Il Sung. E eu, na minha viatura silenciosa, ia em marcha lenta, ora à direita, ora à esquerda tentando descobrir aquele sitio onde o som volta a fazer-se escutar. Finalmente a vivendinha apresentou-se-me. Devidamente estacionado no separador central da avenida longa, dirigi-me cheia de esperança ao técnico do som. 

"Bom dia, faz favor?" Diz-me nitidamente a dona do estabelecimento. A cara de poucos amigos é apanágio dos indianos!

"Bom dia, necessitava de saber se reparam antenas?"

"Reparar não reparamos. Temos é o produto para venda".

"E não têm ninguém que me possa ajudar a perceber o problema?"

Dirigindo-se ao intercomunicador, a filha da dona, igualmente de poucas falas e simpatia, chamou: 
"Florencio, peço para vir cá cima".

Aguardados alguns minutos lá apareceu o Florencio. Mais interessado num papel exposto do que saber o motivo de ter sido chamado, deteve-se por minutos a espiolhar a informação escrita. A dona, admirada com tal interesse, lançou-lhe aquele olhar que só os indianos patrões sabem lançar: 
"Vai lá ver o carro da senhora".

Florencio, nitidamente cheio de frio nesta manhã fresca de Junho, cruzou os seus braços e apertando o macacão lá me seguiu os passos. Eu, mais lesta o que podia, abri as portas para iniciar a demonstração da avaria. Sem grandes cerimónias eis que o Florencio se acerca do outro lado da viatura e decide entrar. Eu de fora e ele já dentro! O frio era muito e Florencio estava bem mais quentinho dentro de portas. Bom, decidi entrar também. Já os dois lá dentro, iniciou-se a explicação da minha visita. 

"Isto é um problema do motor da antena". Avariou".

"E tem concerto?"

"Nada!" Tem de comprar novo".

"E vocês têm para venda?"

"Ish! Tem só universal, mas vai ficar caro!"

"E, caro, é quanto?"

"Perto de 4.000!" 

"E qual o problema de ser universal? 

"Depois estas funções aqui não funcionam". E foi-me apontando para dois botões no interior do carro.

"E é uma coisa complicada de se fazer?"

"Não, é só abrir, tirar a peça, por nova e ligar as fichas. Mas podes ver ali se tem. Só vais encontrar a original nas lojas de material usado."

"Ali, onde?"

"Ali, estás a ver aquela palhota? É lá ao lado. Perguntas se tem antenas automáticas para Toyota Prado. Já fica mais barato. Se não encontrares, vais ao mercado Mandela".

"E esse mercado fica onde?"

"É lá na rua de trás, tens logo ali, quem vem daqui".

"Ok, obrigada. Vou primeiro ver se aqui tem." As direcções desta gente, só eles as entendem! 

Atravessando a rua movimentada, entrei num cemitério de peças. Retorcidas ou não, enferrujadas pouco ou muito, todas estavam expostas no pátio como se de um museu de velharias se tratasse.  Lá no fundo uma porta que presumi ser o atendimento. E presumi bem, pois logo apareceu outro indiano de barba farta. Olhou para mim como um bicho raro, pois as damas indianas jamais frequentariam um local daqueles! O abanar da cabeça fez-me perceber que estava disposto a escutar-me. A minha pergunta já conhecida foi desta feita dirigida pelo patrão a um funcionário negro. Este, lá procurou e empunhou uma antena. 

"Temos esta".

"E essa é para o Toyota Prado?" Questionei eu.

Procurando alguma identificação inscrita na peça e não encontrando a resposta, perguntou a outro patrão indiano à direita. Este pegou na peça e procurou também. 

"Acho que esta é para o Surf".

"Ok, mas serve para o Prado?"

Olharam-se sem se pronunciarem. 

"E então, o que é que faço?" Perguntei eu já secamente!

"Tem de perguntar ao electricista."

"E onde está o electricista?" Confesso que a minha paciência começava a dar sinais de inquietação apesar de achar graça a toda esta forma de relacionamento.

"Está a ver aquele moço lá? Lá!"

O "lá" era do outro lado da avenida, num beco. De facto estavam lá três rapazes. 

"É o de camisola laranja?"

"Yha! Esse é electricista. Pode lá perguntar".

E atravessando uma vez mais a avenida que seguramente começava a conhecer os meus passos, lá entrei no beco. O rapaz estava empoleirado num corrimão, aquecendo-se ao sol e com o seu celular em punho.

"Bom dia, você é electricista?"

O rapaz de camisola laranja ficou um pouco surpreendido, mas anuiu.

"Bom, eu necessito de saber se uma antena automática de um Surf serve num Prado?"

"Não. Não serve". O pragmatismo surpreendeu-me. O rapaz ao lado também disse que não. Pelos vistos, tínhamos dois electricistas!

"E onde é que eu posso encontrar uma para o Prado?"

"Yish! Vais dançar!"

"Vou dançar! Vou dançar quer dizer o quê?"

"Vais dançar." repetiu ele abanando a cabeça. "Espera lá, vou perguntar a um amigo". 

Depois de escrita a mensagem, veio a resposta. 

"Ele tem." 

"E quanto custa?"

"Leva 2000".

"E tu por montares, levas quanto?"

"Eu, 500."

"Mas podes procurar no Bakir ou nas casas de material usado. É lá na 25 de Setembro. Estás a ver as jantes? É logo lá." Esta dica foi-me dada pelo outro rapaz, desta feita de camisola branca.  

"Ok", disse eu. "Dá-me o teu número. Se não encontrar, falo contigo depois".

E parti cheia de informação de nada.  Após conversa com amigos, fiquei na posse de mais lojas que poderão eventualmente ter a antena e voltar a trazer alegria para dentro do meu carro. Também a Toyota  tem representação por aqui e será visitada por mim. Mais cara será certamente. Resta-me aguardar um dia, em que a minha paciência esteja verdadeiramente paciente, para me dedicar a esta dança. 

Agora percebo o que "dançar" significa: Palmilhar e eventualmente, ser explorada!!

CSD

Comentários

  1. JÁ SÓ ME RIO COM AS TUAS HISTÓRIAS.
    HÁ OUTRO MUNDO PARA LÁ DA EUROPA!...

    BJOS
    L.M.T.S.

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  2. Acredita que vou ter saudades deste lado do mundo!

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  3. Eu não teria saudades certamente!...
    Um abraço
    MATS

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  4. "A cara de poucos amigos é apanágio dos indianos!"
    Muita gente pensa o contrário, mas eu concordo inteiramente.
    Africa tem um tempo muito próprio. Acredito que vás ter saudades.

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