ASSIM NÃO, MOÇAMBIQUE!

Nem as férias de muitos nem a pacatez própria do mês de Agosto de 2010 conseguiram resfriar os ânimos exaltados do povo moçambicano. A razão é sobejamente conhecida: elevado custo de vida e o agravamento do preço dos bens essenciais, como combustíveis, transportes, energia, farinha, água e pão. A indignação não tira férias e a boca reclama alimento todos os dias do ano.

Na história deste país, deste povo, a verdade revela-nos muitos anos de subjugação e após a inevitável libertação, o soltar de um grito de Ipiranga muito em surdina. Após a reclamação de um Moçambique para os Moçambicanos, surgiu a desordem de quem nunca mandou, nem sabia mandar. A guerra civil retardou as esperanças de emancipação e revelou um caminho árduo, duro, penoso. O povo moçambicano aprendeu à sua custa que um país para ser nosso, dá trabalho. Mas este é um bom povo. O povo moçambicano é pacífico por natureza. É um povo afável, humilde e até resignado. Isto faz a diferença.

Mas então, o que assistimos nós no dia um de Setembro em Maputo e Matola? Revolta? Indignação? Saturação?

A vida para o moçambicano médio não é fácil. O dia começa cedo, muitos são os quilómetros palmilhados para venderem o que podem e assim meterem ao bolso (pouco habituado a grandes somas), alguns meticais. No dia seguinte a rotina não se altera mas o povo nunca esquece um sorriso e muito respeito. Mas os olhos vão vendo injustiças e discriminações diárias. O Governo vive bem mas foi duro demais com o povo. Impiedoso até. Aumentar bens essenciais não pode ser feito de ânimo leve quando o povo não tem outros recursos. O pão é a base, se não a única alimentação, para grande parte desta gente. Quando aumenta a farinha, a água e a electricidade, o pão passa a ser um bem caro. Alimentar a pão famílias com agregados de 5 a 10 pessoas, torna-se pesado no parco orçamento diário.

Foi talvez num desses momentos de maior desespero que alguém se lembrou de exercer um dos direitos do ser humano: o direito à indignação, à manifestação.
Mas mais uma vez não o souberam fazer. A convocação não teve um rosto, uma marcha, um grito esclarecedor e visível, um protesto com causa. Foram os telemóveis os angariadores de membros mal esclarecidos. Visíveis foram os gritos egoístas, arruaceiros, perpetrados por quem não ama Moçambique. Candeeiros e separadores de betão colocados como barricadas, pneus a arder no já de si degradado alcatrão, carros engolidos por um fogo que queima quem se sacrificou para os comprar, lojas destruídas e pilhadas que aniquilam esperanças de comerciantes, bombas de gasolina incendiadas que desperdiçam um bem precioso, tiros dispersos, balas perdidas, que apesar de borracha (dizem as forças!), ceifaram a vida a 10 moçambicanos, gás lacrimogéneo que tolheu ainda mais as ideias de quem decidiu protestar. O recolher obrigatório não evitou o luto de várias famílias. Outros ainda estarão a sofrer. À polícia de Protecção (cinzentinhos) e à FIR (Força de Intervenção Rápida) coube o papel de dissuadir e impedir tumultos, mas os métodos são contestáveis. Há que preparar e educar estas foças para proteger o cidadão. Protecção é o oposto á morte.

E para quê?
Para quê estragar aquilo que já conseguiram?
Para quê matar as esperanças daqueles que ainda acreditam nestas terras e investem fundos para o seu desenvolvimento?
A crise mundial está aí e Moçambique faz parte do mundo. O Governo não vai mudar. O Governo insiste em manter o seu programa Quinquenal e a sua luta contra a pobreza e promoção do bem-estar dos moçambicanos. Do Rovuma ao Maputo pede-se ao povo mais trabalho, mais dedicação, um esforço ainda maior para levantar esta economia debilitada. A esperança dos discursos dos líderes diluiu-se com as intervenções. A Chama da Unidade foi lembrada, mas o salário mínimo vai continuar a ser cada vez mais mínimo e as famílias terão de encontrar soluções dignas para amar Moçambique. Não é fácil, mas é possível.

Os dias que se seguiram foram um misto de desorientação e medo. A corrida às lojas, o açambarcamento da maior quantidade de bens essenciais passou a ser uma prioridade. Filas de resistentes em busca de conforto alimentar aglomeraram-se à porta das lojas. O pão esgotou, a farinha, o açúcar e os ovos desapareceram como por magia. As garrafas de água escaparam-se em cada saco plástico. Carregados com o que cada bolsa achou essencial, rumou-se a casa para ficar. O silêncio foi gradualmente regressando às ruas desertas e patrulhadas pela polícia.

À comunicação social coube o papel da difusão para o mundo. Logo apareceram as vozes pacificadoras e as mensagens via telemóvel de apelo à calma, á normalidade. Apesar do “passa a palavra”, os “anormais” continuavam a dar azo aos seus instintos animalescos. Jovens e crianças eram o rosto destes desacatos mostrando ao mundo o calibre desta reivindicação: imberbes descontrolados a divertirem-se com o fruto proibido.

Ao terceiro dia a vida parece ter voltado à normalidade. Mas a sensação de quem aqui vive é de um barril de pólvora pronto a explodir. Deus permita que a pólvora se humedeça com as lágrimas dos que choram os seus familiares e que o barril se abra de esperança, fé e paz.

O balanço não é bonito: muitas perdas, muitos estragos, muita desilusão. Escolas fechadas, bancos encerrados, hospitais a meio gás, voos cancelados, transportes públicos e privados parados, a FACIM não rendeu, a economia estagnou. Estima-se um prejuízo na ordem dos 122 milhões de meticais.

Moçambique não é isto. Isto, é de outra gente.

Moçambique precisa de todos. Moçambique tem alma nobre, e essa é uma grande riqueza.

Nunca a letra do Hino Nacional fez tanto sentido.

"Moçambique, nossa terra gloriosa,
Passo a passo construindo o novo dia,
Milhões de braços, uma só força,
Ò Pátria Amada, vamos vencer."

CSD

Comentários

  1. Excelente Sofia.

    Keep up the good work.

    Nuno Guedes Domingues

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  2. Gostei muito.

    Está óptimo.

    Um abraço.

    ADRI

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  3. Muito bem Sofia!... Continua assim que aos poucos vai saír um livro...tenho a certeza :)
    Beijinhos

    Sandra d'Assunção

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